sexta-feira, 20 de janeiro de 2012

  Esse Natal não seria como os anteriores. Gladys não tinha mais seis anos de idade, e sua mãe não a conduziria sobre um tapete vermelho, em direção ao tão esperado por todo o ano… O Papai Noel, que de pai só tinha o nome.
  Desde pequena sentia dentro de si, talvez pela convivência, uma preferência clara por mães, e isso parecia não ser nada traumático. Foi essa a vida que aprendeu a levar, e não deveria ser melhor ou pior que alguém por conta disso.
  Todavia tendo seu pai ido embora, quem seria aquele velho barbudo vestido de vermelho e aparentemente sem dentes… Para lhe realizar desejos, trazer presentes e novas esperanças para o ano que se aproximava!?

  Fora de cogitação. Quatro anos haviam se passado, e nesse Natal Gladys não queria mais esperar ansiosa, após colocar os sapatinhos nas janelas abertas e, pendurar as meias perto da lareira.
  Com dez anos de idade, havia se tornado uma bobeira sem tamanho. Ainda mais por lembrar-se o quanto doíam, todas aquelas feridas feias que o bom velhinho lhe trouxera no Natal retrasado, embrulhado com um belo laço e um cartão assinado “Papai”.
  Papai que agrada e não aparece mais. Papai que te dá algo com o qual você se desequilibra e cai. Papai que te vê sangrar e não se comove, não move um dedo à mais pra lhe ajudar a levantar… Papai que aparece uma vez no ano, só pra te fazer sorrir, um sorriso de gaveta. Que passou meses e meses esperando por olhar naqueles olhos. Papai que por conta de momentos inglórios se encontra afastado, mais distanciado do que desejaria estar.

  “Don’t let yourself go, ‘cause everybody cries. And everybody hurts, sometimes…” dizia R.E.M ao som de Everybody hurts. Canção que embalaria o mês de dezembro para Gladys. Mais seis anos se passaram e mesmo tão próximo, seu pai estava mais lá, porém nela, do que nunca… As ruas, os passos, as quilometragens de cada distância entre eles, oscilavam. Não podia pegar em sua mão, mas o abraçava. Não podia correr pela praça com ele, como aos três anos pelo quintal de casa, mas o alcançava. Com os olhos e com o coração. Sempre teve por perto, a grande parte dos seus materiais genéticos.
  Era ela, mais retrato dele, do que de sua mãe.

  À cada dificuldade uma superação. Em todos os tombos uma cicatriz… Ter decisões, quando deveria ter o guidom de uma simples bicicleta em mãos. Guiar os rumores de seus sentimentos, e aprender à lidar com eles. Quando na verdade poderia estar escrevendo poesias, e tentando desfazer o fato do minhoco ter beijado a minhoca no lugar errado…
  Gladys teria sido mais ela, e menos eles se pudesse voltar ao passado. Mas por amar-se bem menos, quase nada, preocupava-se com a propagação do seu amor para com os seus amados, por meio dos gestos e das palavras. Sem deixar-se amar por quem queria tê-la em mãos… Eu sei que ele queria cuidar de mim, Gladys sabe.

  Mais um Natal sem a família reunida, e feliz ou infelizmente, acho que Gladys perdeu o apreço por tais comemorações. E não sei se ainda fere, ou se difere em indiferença. Com tantos contratempos acho que passou à acostumar-se com essa falta de presença.
  Então, “Everybody hurts. You’re not alone” pareceu machucar mais do que todas as outras vezes em que tocou essa canção…
  Gladys preferia estar sozinha com seus sofrimentos, do que fazer sofrer quem ela amava. Em pensar que assim como ela, por esse e muitos outros Natais o seu pai também à esperava. Sem roupa vermelha, barba grisalha… Teria apenas os braços abertos, esperando por abraça-la.
  “Pouca convivência, instintivo afeto. Mas era ele, foi e sempre vai ser, Papai."

Nenhum comentário:

Postar um comentário