terça-feira, 24 de janeiro de 2012

De um ser, para o ser do seu próprio ser

  Você não faz ideia à quanto tempo eu tenho os meus olhos fixados em sua amargura. Nos dias esperançosos em que esforçava-se para o melhor, e era obrigada a vê-lo derramar-se pelo chão. Ou então invadir o ralo da pia, como por quatro vezes fizeste do modo mais agonizante. Com o pequeno fragmento de algo perfurante, auto cortante, auto limpante, auto provocador de algo que não tirava de você o ego sombrio pelo sangue… De quem à princípio não se amava, porém insistia em bater cabeça para aprender à amar. Seu amor sempre tão amedrontador. Não tinha cor, mas protegia às escuras quem aceitasse de corpo e alma se abrigar. 
  Talvez encontrassem um paraíso se entregassem-se por completo. Mas qual seria o louco à adentrar uma porta com aparência de um inferno interno? Com a escassa possibilidade de que lá haveria algo maior, algo recíproco. Algo terno, não eterno, porém completo e definitivamente não ambíguo…

  Sempre tão dividida por metades, duas verdades, duas igualdades. Que por final você sabia, bem no fundo que jamais poderiam totalmente se igualar. 
  Uma volta e uma ida, de quem ainda pensa se realmente quer ir de verdade. Falta de coragem e, desejo por arriscar. Contradições engolidas pelo vão do querer fazer, e do concretamente atuar.
  Pensas que eu não podia ver por dentro de você? Todas as vezes que sorrias para não chorar. Fingias para não magoar, e omitia para não fazer peso no cerebelo alheio, com as verdades das quais não tinhas papa na língua para guardar. 
  Diferenciava-se com orgulho dos outros, mas eram as sensações e reações mais clichês, que sempre conseguiam com êxito lhe atormentar. Sempre tentava eu entender, como podia manter um ‘lá’ e um ‘cá’ onde cabe apenas um único ser. E à cada surpresa eu comprovava. Essa era você, incompreendida e estranha, mas você…
  E pra quem tanto aprecia verdades, deveria mostrar com clareza porém suavidade quem realmente és. Mas devera eu confessar, que torna-se algo confuso por você ser realmente mais de uma parte. Parte essa que na maioria das vezes não é coberta de verdades, mas quer apenas acreditar. Nada de tolices, apenas crendices que machucam, mas depois que curam fortalecem mais do que o quanto souberam sangrar.
  Todavia não posso ficar por dizer… Deixas-te de confiar até em ti, após algumas decepções que afetaram-na mesmo sem querer. 
   E de lá pra cá só aumentam as mágoas. Tens nos joelhos as marcas imaginárias e, as dores constantemente lembradas de quem levantou-se do esmorecer. De quem torceu o pé, abandonou o corpo ao chão, porém levantou-se por vontade própria de se reerguer. 
   Retomada que carece de calma, esperança e alimento à alma, para então acontecer. Recuperava-se dos sustos, tentando assustar quem se aproximasse de você. Como se de algum modo pudesse isso lhe proteger. Parecia não conhecer a curiosidade do ser humano, que perante à um aviso de recuada deseja em maioria permanecer no proceder. 
  Sendo assim, tendo tu um gênio não muito diferente do meu. Até hoje por motivos que se foram com o tempo, você sempre se reergueu. E não aches outra vez que escondes de mim os choros aguados, os soluções fóbicos e o adormecer encabulado. Está por trás de teus olhos e, eu enxergo perfeitamente.   Admita para si que não vives por encargo da realidade completamente sorridente. Poderia rezar para que lhe caíssem os dentes, só assim iria honrar o que seu coração está constantemente à lhe demonstrar.
  Mas você ignora. Da boca pra dentro ou da boca pra fora. Engole ou cospe de tal forma, que não se pode saber onde foi parar. Como já ignorou o pedido de socorro de um coração que não sabia como se expressar. Como já fingiu não ver o chorro escorrer e arder, diante do teu olhar. Pela sua própria face à se derramar. 
  Porém sabes muito bem que não dá pra ignorar o que se passa aí dentro. O que se passa quando as cortinas se fecham, as luzes se apagam e ninguém mais te vê. Sabes que não pode esconder de mim o mal que lhe corrói sem permissão por corroer. 
  Então me encare de frente, tire dos lábios esse sorriso e me olhe nos olhos de um modo diferente. Não deixe ser mais um dia uma nova marca, uma nova gota. Que se esvai de suas veias e mistura-se com a água, infiltrando-se pelas ruas e tubulações em absorta. Pare de fluir em metáforas quando o presente é o aqui e, o agora. Há um mundo que espera lá fora não por sonhos, mas por concretizações de planos que se fazem com caneta e papel.
  Tiveras tempo suficiente pra diferenciar o mel do fel, e descobrir que a vida enganou você. Ou então deixas-te-se enganar pela imagem de vida, que a sociedade formulou para o seu viver. 
  Com isso largue as ilusões até que possa dar-se o luxo de se abandonar aos devaneios. Sabes que quem me cala e se ilude é você. Quem impede meu manifesto e ações de um lado mais racional e correto, é o amor que impregna o seu viver, que também vive em mim. Bem ou mal sois eu parte de ti, parte que ama, parte que vive por amar e que deseja amar para viver…

Distanciada da direita para a esquerda

sexta-feira, 20 de janeiro de 2012

Masoquista


  Eu gosto da distância, da dor. Do sangue escorrendo, das fisgadas infindas no coração e pontadas pelo interior. Do cérebro sendo retorcido por pensamentos invasores e raramente maleáveis. Gosto de sofrer por amores, e amar por solidão. Do uso, do abuso e do embevecer de uma paixão. Das lágrimas que escorrem cortando a face. Gosto de ter alguém para despedir-me mais cedo ou mais tarde…
  Travar os lábios com os dentes e suportar o tapa sem mão, que faz-se por culpa de um adeus. Recolher dentro de mim pedaço por pedaço seu, e emoldurar pra não esquecer. Logo após pensar que estou vazia, e de modo irônico me encher das lembranças do que poderia ser real.
  Preservo a angústia e o desprazer de me culpar. Olhar para o lado, sentir o peito em volúpia ser apertado, e me afogar. Por dentro… Para o ego e para a alma, reconhecer que não tenho por perto a minha flor…

  Gosto de sair na chuva e passar a noite com febre. Ficar esperando a morte por conta de simples espirros e temperatura alta. Cobrir-me até a cabeça e ficar sussurrando que isso vai passar. Não o mal estar, mas a vontade de não mais levantar.
  Gosto de me meter em esparrelas e me auto-sustentar. Apenas para me sentir mais forte. Me ver no erro e ecoar dentro de mim o acerto, para então reconhecer que não sou só fracasso.
  Transformar em nó o que um dia foi laço, e olhar pra trás como quem desfaleceu… Descobrir que certas coisas não tem volta, e deixar tomar conta de mim a revolta. Como quem nunca se orgulhou, por errar… Como se o erro não fosse também capaz de nos livrar, de um futuro inesperado.

  Tenho prazer em me sentir sufocada pela emoção. Não saber o que falar, querer escrever e ter mais para pensar, do que para transcrever. Olhar para o luar e me sentir tão fria à ponto de não enxergar eu e você. E chorar… Por ter dias em que não me sinto sentimental. Chorar por saber que muitas vezes a frieza me faz mal. Todavia põe em prática a racionalidade forte que eu queria, constantemente ser… e que congela o pouco que me resta de coração.
  Porém acordar no dia seguinte e me fazer superior. Fumar um cigarro afirmando não ser um vício. E expressar pelo olhos que é apenas um modo solícito de receber uma morte mais depressa.
 
  Gosto do atraso da espera, das coisas que não acontecem e ficam apenas por se concretizar. Gosto de olhar para a minha mão pútrida com cheiro de nicotina, sentir meus lábios perdidos em uma cinzenta neblina e me repugnar… Me fazer forte e reconhecer que me rendo à morte, por ser mais fácil fraquejar… Então largar o cigarro. Vestir com brado um fardo pesado. Fardo de quem tem amor para cuidar… Não por si próprio, mas por um coração que diante tantos momentos inglórios, disponibilizou-se por me amar. Alguém que reconheceu interesses cheios de fundamentos, nessa feição largada. De quem olha para o rastro de sangue deixado, e sussurra um tanto faz. Quando ainda encontra-se extremamente fraca pelo que ficou para trás.

  Gosto dos recomeços e das renovações. Gosto das novidades que me deixam sem chão, como também gosto da monotonia que faz-me sentir em casa. Gosto de ter o controle e ver as coisas de forma clara, como também gosto de deixar descontrolar e escurecer.
  Gosto da ironia e da invulnerabilidade. Ter um jeito sádico e gostar do distorcer das situações. Do sentir por inteiro, pelo avesso ou pela metade quaisquer que sejam as sensações. Apenas sentir…
  Sinto então que gosto do gostar. Gosto mesmo, do viver mesmo que seja sobrevivência o que faço desde o amanhecer… E que eu viva por amar, viva por melhorar, progredir e enfim morrer. Viva eu por mim ou por você…
  Sou masoquista, meu bem. Masoquismo é como a sombra de uma árvore. Sobreposta pela representação da vida de um ser.


 Ela confundia sonhos, e desejos com expectativas. Ter vontade, não necessariamente precisava fazer-se um plano. Ou algo que ganhasse dela, uma boa porcentagem de probabilidade para acontecer. 
  Apostava boa parte de suas fichas no cavalo mais belo, alvo e robusto. Esquecendo que o mais esmorecido, estava apenas abatido por ter dedicado-se à se fortalecer. À aumentar a capacidade da corrida, ou quem sabe à alimentar-se mais de esperanças… Que à cada decepção, fazia-o perder sangue… Como quem perde fios de cabelo pelo vento.
  De qualquer forma, era possível notar que Gladys dedicava desde o muito até o pouco, mas sempre penhorava parte dos seus bens sentimentais, pelo que quer que fosse, que estivesse por almejar… Mesmo depois da tão memorizada “Regra da ema idiota”, ela não conseguia por completo executar. 
  “Esforçar-se para obter. Todavia não tendo sucesso… Mudar de objetivo. Ainda sendo isso impossível… Abandonar!”

  Mas não podia, e nem queria abandonar. Como assim abandonar!?
Não importava, o que estivesse à procurar. Desistir, não seria em específico largar de mão o que não conseguiu conquistar. Mas sim abdicar as suas forças, de ainda pôr em prática a esperança… Do verbo esperançar. De quem quer alcançar.

  Eram esses, dentre outros raros pensamentos otimistas, que mantinham vida dentro de Gladys. Vida essa que depois de certa idade, certas quedas e decepções começou a criar receios. E as tão famosas expectativas. Que insistiam em formular a imagem do que seria, e de como seria, tal coisa que ainda iria chegar. E se chegasse…

  De qualquer forma, era apenas mais uma faceta para a traiçoeira da ilusão.
  O mais intrigante era reconhecer que estava tudo dentro dela. E talvez fosse esse, um dos motivos pelos quais ter tanto ódio de si mesma.

  Desde o lado bom, até o lado mais maléfico. A partir da solidão, até a ironia sádica de fazer graça com a falta de afeto. Estava em contraproposta ao masoquismo, o seu lado mais carinhoso.
  Todavia, era notável que um despertava o outro. Já que não haveria dor, se não fosse eminente a vontade de não senti-la… Era exatamente a repulsa, que causava a rebelião mais contínua. 
  Tanto como num breve resumo, não haveria vida sem a certeza garantida de que haveria de morrer. Mas para que a morte fosse prazerosa, ainda precisava encontrar o teor exato de viver...
  Esse Natal não seria como os anteriores. Gladys não tinha mais seis anos de idade, e sua mãe não a conduziria sobre um tapete vermelho, em direção ao tão esperado por todo o ano… O Papai Noel, que de pai só tinha o nome.
  Desde pequena sentia dentro de si, talvez pela convivência, uma preferência clara por mães, e isso parecia não ser nada traumático. Foi essa a vida que aprendeu a levar, e não deveria ser melhor ou pior que alguém por conta disso.
  Todavia tendo seu pai ido embora, quem seria aquele velho barbudo vestido de vermelho e aparentemente sem dentes… Para lhe realizar desejos, trazer presentes e novas esperanças para o ano que se aproximava!?

  Fora de cogitação. Quatro anos haviam se passado, e nesse Natal Gladys não queria mais esperar ansiosa, após colocar os sapatinhos nas janelas abertas e, pendurar as meias perto da lareira.
  Com dez anos de idade, havia se tornado uma bobeira sem tamanho. Ainda mais por lembrar-se o quanto doíam, todas aquelas feridas feias que o bom velhinho lhe trouxera no Natal retrasado, embrulhado com um belo laço e um cartão assinado “Papai”.
  Papai que agrada e não aparece mais. Papai que te dá algo com o qual você se desequilibra e cai. Papai que te vê sangrar e não se comove, não move um dedo à mais pra lhe ajudar a levantar… Papai que aparece uma vez no ano, só pra te fazer sorrir, um sorriso de gaveta. Que passou meses e meses esperando por olhar naqueles olhos. Papai que por conta de momentos inglórios se encontra afastado, mais distanciado do que desejaria estar.

  “Don’t let yourself go, ‘cause everybody cries. And everybody hurts, sometimes…” dizia R.E.M ao som de Everybody hurts. Canção que embalaria o mês de dezembro para Gladys. Mais seis anos se passaram e mesmo tão próximo, seu pai estava mais lá, porém nela, do que nunca… As ruas, os passos, as quilometragens de cada distância entre eles, oscilavam. Não podia pegar em sua mão, mas o abraçava. Não podia correr pela praça com ele, como aos três anos pelo quintal de casa, mas o alcançava. Com os olhos e com o coração. Sempre teve por perto, a grande parte dos seus materiais genéticos.
  Era ela, mais retrato dele, do que de sua mãe.

  À cada dificuldade uma superação. Em todos os tombos uma cicatriz… Ter decisões, quando deveria ter o guidom de uma simples bicicleta em mãos. Guiar os rumores de seus sentimentos, e aprender à lidar com eles. Quando na verdade poderia estar escrevendo poesias, e tentando desfazer o fato do minhoco ter beijado a minhoca no lugar errado…
  Gladys teria sido mais ela, e menos eles se pudesse voltar ao passado. Mas por amar-se bem menos, quase nada, preocupava-se com a propagação do seu amor para com os seus amados, por meio dos gestos e das palavras. Sem deixar-se amar por quem queria tê-la em mãos… Eu sei que ele queria cuidar de mim, Gladys sabe.

  Mais um Natal sem a família reunida, e feliz ou infelizmente, acho que Gladys perdeu o apreço por tais comemorações. E não sei se ainda fere, ou se difere em indiferença. Com tantos contratempos acho que passou à acostumar-se com essa falta de presença.
  Então, “Everybody hurts. You’re not alone” pareceu machucar mais do que todas as outras vezes em que tocou essa canção…
  Gladys preferia estar sozinha com seus sofrimentos, do que fazer sofrer quem ela amava. Em pensar que assim como ela, por esse e muitos outros Natais o seu pai também à esperava. Sem roupa vermelha, barba grisalha… Teria apenas os braços abertos, esperando por abraça-la.
  “Pouca convivência, instintivo afeto. Mas era ele, foi e sempre vai ser, Papai."



 
Gladys tinha fechado todas as janelas, mas ainda assim esperava que o vento entrasse. Depois de tantos livros que havia lido sobre a felicidade, se convencera de que ela bateria à porta… Então não necessitava sair para procurar, e nem largar seus portais escancarados, fazendo-a sentir-se insegura.   Seria como costumava ser, seu mundo ainda escureceria depois das seis, e ela ainda tomaria café pela madrugada, para estar acordada ao amanhecer. E que chovesse durante toda a tarde. Gladys pouco se importava em pôr os pés para fora de casa. Ainda mais em dias como esses, que as árvores choravam pelas ruas e, a lua aparecia mais redonda do que de costume, em noites de lua cheia.



  Não acreditava em sorte, todavia desse modo o azar fazia-se inválido. Sabia que para tudo encontraria uma resposta concreta, mas a todo custo, por mais que tentasse as perguntas aumentariam conforme fossem solucionadas. A vida era, e continua sendo uma estrada… Ou para os que preferem acreditar que melhoram à cada dia, considera-se que ela seja então uma escada. Passo à passo, tanto como degrau por degrau… Devem todos seguir a sua ordem, para não afetar o proceder. 


  “Os fins não justificam os meios.” Repetia Gladys, sempre que precisava conscientizar-se de que seria a coisa certa, o melhor a se fazer… E sua mãe não media esforços para lembra-la disso. Volta e meia retorcido por alguns gritos, elas discutiam e sua mãe afirmava: - Não é porque agora as coisas estão corretas em seu lugar, que eu não vou me pronunciar quanto à forma na qual você fez tudo ficar assim! 


  Então com isso, aos poucos infiltravam-se por cada centímetro pensante do cérebro de Gladys, que as coisas deveriam seguir de modo correto, do início ao fim. Que bambeasse aqui, ou ali… Mas era preciso retornar aos eixos, e pôr de volta a carruagem sobre as rodas de pinheiro maciço. Não perder a direção dos trilhos e evitar qualquer desfalque. Errar era permitido, mas que houvesse recuperação, e não usasse como desculpa o fato de ter alcançado. 


  Fazia-se assim deste modo, a parte detalhada de Gladys. Um pouco do perfeccionismo com o temor de perder o controle. Houvesse quem considerasse desequilíbrio, mas ela só queria ser melhor, para ter êxito quando viesse à alcançar. Formação de personalidade, construção de caráter. Ensinamentos que aprendemos, pra não deixar passar...

  Gladys tinha conflito para dissertar, caminhos para seguir. Desde nova entendia as consequências de errar, mas se acertasse não sabia o que poderia vir… Teoria e prática estavam distintas. Ou imparciais deste modo. A tristeza transbordava do café da manhã até a janta, todo o copo. E a tão sonhada felicidade de sua mãe para ela desejada, via-se póstuma num álbum de fotos. Que o presente fazia questão de provar que não era algo eterno. Era terno, pleno em completo desalento. Ao mesmo tempo que ia para a concretização, deixava de ser por conta do tempo. Um casamento por palavras, e mútuas assinaturas em um caderno prometido ao reconhecimento, de algo maior que se desfez dentro de alguns anos…

  “É só vontade de perder um pouco do meu tempo. Deixando meu perfume ser levado pelo vento, enquanto me inundo, do vazio e do vislumbre de transeuntes sem coração. Afinal, nunca tive um também. E a gente sempre desdenha do que no fundo quer, mas não tem…” Gladys se justificava. Com palavras que à todo custo não convenciam nem à ela mesma.
  Tinha aparente vontade de acreditar no amor esperançoso de sua mãe. Porém a racionalidade precisa e sana de seu pai, era fatídica. Não deixava grandes brechas para dúvidas, e Gladys por muitas vezes se cansara de indecisões…

  - Mãe, diz pra mim que o amor não vai me enganar como fez com a senhora, diz!

  - Ame minha filha! Apenas você poderá entender-se com seu amor. Você e o seu dom de amar.

  - Mas como amar mãe, se não há concretas provas da existência do amor?

  - Vai saber a hora certa, quando ele pedir passagem pra você.

  - E devo deixá-lo passar mamãe? Mesmo que ele abandone crateras de  solidão pelo meu coração, como vejo na senhora?

  - Ame minha filha! Ame… - ela passava a mão nos cabelos de Gladys, como quem já a abençoava por um mau futuro.

  Hoje te vi levantar da cama com a mesma expressão Bukowskiana de sempre. Por quê diabos eu não pude entender… Ontem me contou que estava amando e hoje vi amargura em seu ser. Quem sabe então estivesse ‘À mando do esmorecer’
  Desdenhava com classe da felicidade. E seus olhos em concordância faziam questão de não transparecer. Dava mesmo para acreditar que a solidão faria cordial vizinhança ao coração, que com surpreendente esperança, ainda pulsava dentro de você.
  
- Gladys tens a frieza de seu pai em contraproposta ao coração tolo de sua mãe! - dizia quem a conhecia, e no fundo ela sabia…
  “Malditos cromossomos, herança indesejável para que sejamos parte de pessoas que nunca fomos. Predeterminando como deveremos ser.” - Gladys despejava palavras abarrotadas de raiva, quando sentia uma guerra fria tomar início em seu interior. Sem poder evitar ou recorrer à meios que solucionassem o desentendimento, dela para com o anonimato de seu próprio ser à se desconhecer.

  E costumava caçoar de sua pútrida desgraça. Não tinha o conformismo relatado no seu histórico de exames sanguíneos. Algumas plaquetas em falta, mas nada que prejudicasse diretamente sua saúde. 
  Gladys tinha plena consciência que qualquer fracasso não possuiria nenhuma outra explicação, a não ser sua própria fraqueza. Quem sabe desistência, ou medo… Todavia seria culpa de seu ego, em obsoleto desespero sem querer pedir ajuda, ou apenas uma mão na qual pudesse se afirmar.

  Não era orgulho. Era desejo de liberdade, autenticidade. Independência colocada em prática de forma errada, que aos poucos deixava-se levar ao declínio dentre seus mais solícitos soluços de solidão… 

  Gladys ouvia sempre falar sobre ingratidão. E dentre brigas e conversas, as verdades ecoavam como se nada mais fosse importante naquela família.
  Era com ela que aprendera a se mostrar, transparecer. E era com ele que tinha conquistado o dom de se proteger. Ela falava sobre sentimentos. E ele afirmava que existiam momentos exatos, escolhidos e até provocados para sofrer. Ela contava sobre uma escolha que não existia ao se apaixonar. Já ele contestava que tinha escolhido-a, mesmo com tal arrependimento desse proceder. Ela falava sobre uma felicidade que não durava alguns momentos. No entanto ele retrocedia à felicidade que ao lado dela tardio e momentaneamente, pôde dar fim ao perceber que tinha se entregado ao luxo de amar. Aos braços de um ser bobo, tolo e enamorado por quem tão posteriormente viria à lhe deixar…  

  E se não eram esses, bons motivos para criar-se dúvidas. O que tinha Gladys atravessado em sua garganta?
  Com certeza algo mais contundente que a desesperança, e mais corrosivo que a tristeza. Se chamava frieza, e ela estava apenas começando a se enraizar.

  O vestido que você tanto queria, ela comprou. As xícaras velhas de todos os dias, ela quebrou. Enfrentou o que guardara em seu coração, como preciosas partes de seu tão valioso sentimento. E se desfez, mais uma vez e por tantos outros momentos. Mas não surtia tanta diferença, quantas vezes ela se decepcionasse e aquele mesmo conto-de-fadas pudesse rever. Enquanto sonhasse, ela ainda iria acreditar. 

  Suas mãos tão tremulas, puseram-se a enxugar lágrimas de um amor inacabado. Algo que estava se construindo à cada dia. Tendo ele um fim, e sendo apressadamente recomeçado. Era como se uma chuva lavasse a rua da casa da bela garota, e pela manhã fizesse o chão se embevecer, e secar. Até vir o sol, e fazê-lo arder de tanto ensolarar. Quando por final, a bela garota aparecia, e aos pulos se divertia com cada gota da chuva que novamente surgira para seu refrigério. 

  Sim, desde sempre um mistério. Por mais que fosse ardentemente arrebatador, com a capacidade de derrubá-la ao chão sem forças. A impulsionava para cima, com saltos, belos saltos pelas gotas de despedida, à um sofrimento que teria volta, porém sem demora, e com certeza, mais tarde despedir-se-a. Sem deixar rancor.

  Isso sim é o amor. Mesmo que secasse, tinha ela suas reservas aquíferas, com lágrimas ou chuvas específicas de épocas que se fazia necessário regar a plantação. Seu coração, inexplicável solo fértil, que nem com fervoroso calor de um deserto, pusera-se à não mais amar. 

  Quem dirias haver assim, tanta força no coração de uma bela garota. Que estivera ainda, à aprender o que é conhecer, pertencer e se entregar…

  Ela descobriu que não estava no sorriso do garoto, nem no seu beijo. Muito menos no gosto, ou no desejo de tê-lo - tudo que a fazia recomeçar, e retomar sua caminhada - O fato era de que a esperança se encontrava no coração, da garota que caminhava pela estrada. E sua própria pessoa, em si com seu ego, seu ser, o jeito de ser e toda sua maestria, não enxergara tal destreza. De ter dentro da alma, a unica beleza desejada e perseguida em vão, pelos incrédulos no amor, e não puros de coração. 

  A esperança...

  Pés expostos ao solo frio, olhos profundos, coração vazio, mente suja. Acordava deste modo, esquecendo na cama sua alma de pétala branca. Que manchava-se em meio aos lençóis, com lágrimas de tristeza. Lágrimas que transcendiam dela a pureza, que guardava em seu coração. Estava se melecando com a melancolia de uma solidão. Subtamente existente em si, para o seu mundo. Criado por ela em um momento profano, coberto de insultos.

  Demonstrava ódio no peito, por alguém que jamais se distanciaria. Trazia consigo os males de uma vida, que nem tanto lhe apetecia, porém era sua por direito e não poderia negar, largar. Como por muitos e longos murmúrios, desejava. Bocejava seu desprezo em frente ao espelho, por repetidas manhãs assim que acabava de acordar. Parecia um combustível estimulante, fazendo-a notar a realidade e não esquecer de pôr os pés no chão. 

  Pés descalços, olhos quase fechados, coração doído, mente fadigada. Ela se olhava, sem muita admiração. Via no espelho uma reflexão que não permitia acreditar. De fato talvez não fosse ela, ou quem sabe aquela da qual gostaria de enxergar. Alguns desavisados viam mais beleza por fora do que por dentro. Aquela com a que seu coração deveria se inundar, até estremecer as paredes de seu peito. Fazendo-a sentir-se direito. Como quem vive, tendo sentimentos. Como quem vive, sabendo amar. Sabia o quanto era capaz, de sorrir mais e melhor. Mas por algum motivo, estivera abertamente transparente a demonstrar o insistente choro. Que escorria pelo seu rosto, levemente salgado, originando-se de seus olhos sendo findados em seu queixo. Pingando sobre o peito, escorrendo sem destino como só ele. 

  Durante esses dias, não conhecia-se a vontade de sair. Se pudesse escolher, ficava estática. Parada ali. Não de frente para o espelho, tinha repugna e um certo medo. Perdia sempre a noção em que qual ângulo estava. Se era de frente, ou de lado que se olhava. Ou se era ela naquele reflexo, e não a que estava nela. 

  Daquela que todos os dias a enganava. Fazia com que ela tivesse uma visão de si, que não era realmente desse modo com o qual era vista. 
Quem garantia que a menina que todo mundo tocava e abraçava, era a mesma que tinha suas aparições expostas no espelho quando ela passava em frente à ele? 

  Era assustador saber que talvez conhecesse, um outro lado de si que ninguém podia ver. E perguntava-se por inúmeras vezes, o que deveria fazer… Deixá-los ver o que conseguiam extrair do olhar da bela garota, ou demonstrar claramente o que escondia-se na escuridão de seus olhos? 

  Mais uma vez ela escolheu o mistério. Que viessem abri-la para conserta-la, que viessem vê-la sorrir, para saber quando esses sorrisos queriam mesmo era chorar... 
Que se arriscassem, então assim valeria a pena. 
  Esperta e delicada, grandiosa porém pequena. Ela sabia o que fazer, e escolheu se transformar num abismo. 

  Um louco impulsivo, com espírito cheio, alma branca e coração infindo, se afundaria em sua escuridão. Arrancaria as estacas de medo de seu coração, e faria dela um amor pra se guardar. Pra se expor. Mais do que tudo, para se amar. 

  E como por muitas vezes, à espera dele ela dizia… “Te quero aqui meu anjo, presente por um dia. Para numa noite fria, calar com um simples beijo as lamúrias de toda uma vida. Vem e me surrupia, me tira da frente desse aço de sentimentos escassos, e faz-se o reflexo mais caloroso que já pude ver. Do meu próprio ser."


  Visualizou memórias das quais gostava de rever. Tinha em seus olhos o brilho frio da tela em cristal nítido de sua Tv. Na qual passava alguma programação sobre crianças, cheias de esperanças e sorrisos expostos ao vento. Era uma beleza em desalento, não fazia mais sentido, não tinha lá concreta explicação. Pareciam apenas crianças felizes, por ainda não conhecerem a função do coração. Que carregavam dentro delas com a única utilização de dizer às bonecas “Óh minha filhinha, como eu te amo”.
  E apesar disso passar um certo encanto, corroía como ácido as retinas, era uma inquietude contínua que não permitia ficar sentada sem se manifestar.

  Porém não houve manifesto. Só tinha em sua face a expressão de um excesso que nem vivia mais dentro dela. Lembranças de uma infância e aprendizados, machucados e puxadelas pelo braço. Vivia sempre fazendo bagunça, e não gostava muito das horas-de-parar. Quebrava brinquedos, fazia pirraça puxando os cabelos e depois sempre desistia de brincar. Tinha estragado sua filha que à uns minutos atrás dizia amar. 
Mas cá entre nós, era coisa de criança. Atos bobos que ganhavam fácil relevância. Não tinha muito com o que se preocupar. Mais cedo ou mais tarde ganharia uma boneca nova. Aquela sem perna ou sem braço, seria apenas o verso esquecido de uma trova. Não lhe apeteceria cantar. 

  E trazendo-se de volta num colapso de consciência, estava ela se perguntando onde encontrava-se a evolução, o crescimento. Eram aparentemente fúteis esses pensamentos, porém respondiam coisas, ou exerciam o poder de formular novas perguntas… De certo modo, do qual ela nunca pôde imaginar.
  Se olhava com interrogo, pelas mãos via os mesmos dedos de sempre. Suas unhas cresceram um pouco, porém não passavam de unhas. Seus olhos ainda brilhavam, mesmo que por maioria das vezes fosse falso, ela sabia como fazer brilhar.
  Sua voz se desenvolvera, seu cabelo mudara num corte desconectado de forma grotesca. Percebendo então que mudou muitas coisas em si, que talvez não a machucassem se ainda fossem as mesmas…

  O que realmente havia de mudar ela mudou. Não se arrependeu. Se achou mais forte, mais independente. Pena que ainda era tola, de um modo diferente. Fez-se mais intensa, ultrapassando o amor por suas ‘filhas’. Encarou novos amores da vida, e se arriscou em perder - seu amor próprio - por uma suposta ilusão. Entregou-se de bandeja para ganhar um coração, como numa brincadeira de casinha, esperava pelo seu chá imaginário. 
  Quando algo se fez notório, gritante e claro…

  “Largava eu por desinteresse, bonecas sem pernas ou braços. Hoje choro com saudade e vontade de um abraço. Por quem sequer possui um coração… E mesmo assim não me desfaço, não aprendi a lição. Tenho corrido atrás do fardo de dividir com ele, esses batimentos intensos de um sentimento sem possibilidade de reversão.”

  Às vezes me pergunto se a vida tem vida. Como se assistisse o que fazemos dia-a-dia.
Porque ela ousa de tanta ironia? E usa, de tanta ousadia? Insiste em salgar nossas feridas, e adoçar nosso coração. Faz de nós fantoches, em um constante contraste de esperança e decepção. Sucede nossas quedas, pondo em nossa mente o desejo de recuperação. Nos posiciona à amar sem usar a mente, apenas praticando a função tão inconsequente que tem o nosso coração. Se diverte, passa horas e horas te fazendo interprete do roteiro que ela tem em mãos. Engraçado não…
  Mesmo quando pensamos em escrever o que queremos viver, parece que está tudo coordenadamente traçado para que apenas possamos percorrer. O que era nosso se vai. E por muitas vezes não temos o impulso necessário para correr atrás. Se estava ali, some. Se um dia soubemos como chamar, hoje já não tem mais nome. Quando está perto, sentimos estar bem longe. Caso realmente encontra-se longe, queremos com toda força aproximar.
  Contraditórios, ilusórios, fictícios, receosos. Procuramos, sempre com uma pequena insegurança por encontrar. Perdemos, com a esperança de que alguém possa guardar. Fazemos o inverso, sem achar que é o certo. Mas esperando que as coisas caminhem pelo lado correto, mesmo quando tendemos às contrariar. Somos confusos, e a vida se agrada disso. Estamos à beira de um abismo, com ela posicionada atrás. Tendo suas mãos em nossos olhos, e seus lábios em nossos ouvidos, com sopros leves e bem perdidos, te dizendo em sussurros malditos: só mais um passo, você ainda pode alcançar.

  Um passo para fora e ela perde o equilíbrio. Não tinha medo, nem labirintismo. Apenas perdera em quem se apoiar. Se encontrava ocupada, tragando um cigarro enquanto em sua vida escola estavam a ensinar que segurança vem de dentro para fora.
  Não precisava ser completa, ela só havia de se afirmar em seus próprios pés quando pensasse em sair do conforto de seu quarto, que representava indescritível proteção. Sair do seu coração sabendo que não permaneceria lá, ninguém mais que pudesse cuidar dele em sua ausência. Era preciso paciência.
  E como aquele curto espaço de um passo sob seus pés não queria se aquietar, ela deixou-se puxar pela gravidade. Encontrando uma queda que além de sua felicidade, derrubara também seu coração. Aos cacos no chão, quando foi possível perceber que as coisas não estavam mais sob seu controle. Não reconhecia-se o significado da palavra poder. Como ela fazia com aqueles cigarros, travados em seus dedos, tragados com seus lábios calmos e confiantes, tendo seu conteúdo puxado para o interior de sua pessoa, e despejado em um sopro espalhado, que jogava na cara dos outros que passavam ao lado, o quanto ela retia muito bem, o cansaço exaustivo do esforço em seu coração.
  Assim que inutilizável, era jogado na primeira lixeira disponível na rua. Verdade nua e crua. Ela apenas parecia não se importar. Mas só em usar suas palavras para tal desprezo dizer, já demonstrava o quanto se fazia importante pra ela.
  Era intolerante, e não sabia se calar. Escutaria o que tinhas ela à dizer. Ou então não dirigirias tu a palavra, da qual pudesse magoá-la a ponto de não se conter. Não em lágrimas... Mas em um copo d'água que dentro de seu peito já estava enchendo, até tão cedo transbordar, e transcender que aquele ser não soubera mais à quais meios se filiar, para se confortar.
  Estava ela confrontada, e cansada de mostrar forças onde havia fraqueza. Beleza, onde fincavam-se estacas de tristeza. Amor, onde necessitava-se desesperadamente por solidão.
  Não! Ela estava errando em deixar as coisas fluírem ao contrário. Suas roupas velhas guardadas como novas no armário, precisavam de um corpo para exposição, e seria ela a mostrar que sentimentos entulhados ainda são remédios muito bem receitados, para salvar a vida de alguém.